segunda-feira, 21 de março de 2011

PORQUE HOJE HÁ POESIA!




Para mim, um dos melhores de sempre.
Boas poesias!


Cavalo à solta

Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.

Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.

Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.

Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura.

José Carlos Ary dos Santos

3 comentários:

  1. ARTE POÉTICA

    Escrevo o que escrevo. Não faço fretes:
    poesia é remover a nata duma alsaciana;
    comer-lhe, sôfrego, a cereja freudiana,
    sem receio da malvada diabetes.

    Mas julgará bem quem por si julga
    (tal e qual: sem ponto de interrogação):
    prefiro mil vezes a inquietação
    à baldada morte por coice de pulga.

    Há, naturalmente, a congénita inspiração
    que brota, torrencial, qual esguicho,
    a que o poeta induz a douta orientação,
    mais ou menos assim: aí, oh… bicho!

    Mais não consta, salvo um amargo gosto
    de boca. Em parte, por este início ser o fim
    de algo que quase não se conhece o rosto
    e podia muito bem não acabar assim.

    Abjoão

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  2. Ary dos Santos, sempre actual. Próprio de quem marca a sua passagem pela vida e não deixa a vida passar por si.

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  3. AS PESSOAS SENSÍVEIS

    As pessoas sensíveis não são capazes
    De matar galinhas
    Porém são capazes
    De comer galinhas

    O dinheiro cheira a pobre e cheira
    À roupa do seu corpo
    Àquela roupa
    Que depois da chuva secou sobre o corpo
    Porque não tinham outra
    O dinheiro cheira a pobre e cheira
    A roupa
    Que depois do suor não foi lavada
    Porque não tinham outra

    «Ganharás o pão com o suor do teu rosto
    Assim nos foi imposto
    E não:
    «Com o suor dos outros ganharás o pão»

    Ó vendilhões do templo
    Ó construtores
    Das grandes estátuas balofas e pesadas
    Ò cheios de devoção e de proveito

    Perdoai-lhes Senhor
    Porque eles sabem o que fazem


    Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto,1962

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